botões de seguimento

juan josé millás

"Entretanto, descobri que o meu pai escondia o frasco de éter num armário da sua oficina ao qual se supunha que ninguém chegava. Mas eu cheguei com a ajuda de uma cadeira e de um banco que colocava por cima da cadeira, em equilíbrio precário. E cheirava-o de vez em quando, pois conseguira descobrir e apreciar as suas propriedades narcóticas. Quando a casa ficava sossegada, depois do almoço, passava pela casa de banho, tirava do armário dos remédios um bocado de algodão e ia com ele até à oficina onde o empapava em éter. Depois deitava-me no vão das escadas, em posição fetal, tal como fazia para dormir, e punha-o como se fosse uma máscara, entrando imediatamente numa lassidão profunda que, quando acordava e me levantava a meio da tarde, era como se entrasse no interior de um sonho. O que fazia a partir de então tinha essa qualidade alucinatória em que nada, por extraordinário ou assombroso que seja, nos surpreende. Talvez por isso a recordação que guardo daquela época é a que se conserva de um sonho muito vivido, um daqueles sonhos que nos fazem duvidar do grau de realidade da vigília."

(O Mundo, o mundo é a rua da tua infância)

4 comentários:

  1. Gostei de recordar o Millás, que já não lia há muito tempo.
    E a minha memória fez-me chegar aquelas sensações alucinatórias, aquando da segunda cirurgia, feita há quarenta anos, em que fui "anestesiada" com éter... Hoje, felizmente, não é assim.
    Continuação de boa semana!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá Isabel! Estou a ler este livro que comprei há muito tempo e estou adorar :-))))
      beijinhos

      Eliminar
    2. ars, és a culpada(!) de hoje ter comprado este livro em Lisboa. ;)
      Obrigada! Estou desejosa de o ler.
      Beijos.

      Eliminar
    3. Ahahah! Tenho a certeza que foi uma boa escolha.
      Vais gostar!
      Beijinhos é bom fim de semana

      Eliminar