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rui chafes

A cabeça estala por dentro, cansada das visões do inferno. O Inferno é a perda de cor, de movimento, a perda de vida. Quando perdemos a vontade de regressar ao amplo espaço onde conhecemos a tranquilidade dos sonhos por realizar, é porque já não queremos fugir para o único lugar onde a vida alguma vez fez sentido. O Inferno não é a solidão mas, sim, a barreira que nos isola dos outros. O silêncio estático e apático que nos interroga através das imensas cortinas de água que toldam os nossos olhos; um sorriso que não é dirigido a ninguém. Passamos da escuridão à luz e da luz à escuridão. De cada vez, ficamos apavorados, com medo de abandonar o mundo que já conhecemos, de acabar, de chegar ao fim. Mas tudo é apenas uma passagem para outro universo, para um novo estado, um novo mundo, como nos explicou a longínqua voz de Lhasa de Sela. A beleza é impossível sem as marcas da morte, da separação, da consciência da morte que dá sentido à vida. O moribundo morre abandonado, deitado na dureza de uma pedra gelada, o seu grito não lhe pertence, está ao lado dele e prolonga-se sem fim. Estar tão só que não é possível imaginar o que é não estar só. Sozinho neste vazio, os lábios secos. Uma luz que se apaga, uma luz que se acende. A cada momento a esperança de que não seja o último. Qual é o nome deste fechar de olhos, ardendo em febre? Cada olhar vem pesado, sobrecarregado de memórias, de todas as memórias de todos os dias felizes. Uma vela que se apaga, lentamente, com a silenciosa tranquilidade dos momentos irreversíveis. Últimas palavras. O último minuto, aquele que Jean-Luc Godard filmou de forma raivosa, revoltada e incompleta, assombrado pelo pesadelo da cristalina perfeição do horror; ainda falta muito para esse minuto chegar ao fim.
(Entre o Céu e a Terra)

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