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pier paolo pasolini

Não sei bem o que é a religião indiana: leiam os artigos do meu maravilhoso companheiro de viagem, do Moravia, que se documentou na perfeição, e dotado de maior capacidade de síntese do que eu, tem sobre o assunto ideias muito claras e fundamentadas. Sei que substancialmente o bramanismo fala de uma força originária vital, de um "sopro", que a seguir se manifesta e concretiza na infinita plasticidade das coisas: um pouco, em suma, a teoria da ciência atómica como, precisamente, Moravia acentua.
Procurei falar destas coisas com muitos hindus: mas nenhum tem a mais pálida ideia a tal respeito. Cada qual tem o seu culto, Visnu, Siva ou Kali, e segue fielmente os ritos correspondentes. Por isso não posso deixar de me limitar a descrições como as que fiz. Mas posso dizer uma coisa: que os hindus são o povo mais afectuoso, mais doce, mais paciente que se pode conceber. A não-violência está nas suas raízes, na própria razão de ser da sua vida. Talvez de quando em quando defenda a sua fraqueza com algum histrionismo ou insinceridade: mas são pequenas sombras nas margens de tanta luz, de tanta transparência.
Basta ver a maneira que têm de dizer que sim. Em vez de concordarem como nós levantando e baixando a cabeça, abanam-na um pouco como nós quando dizemos que não: mas a diferença do gesto é, apesar disso, enorme. O seu não que significa sim consiste num fazer ondular a cabeça ( a sua cabeça morena e ondulada com a sua pobre pele negra, que é a cor mais bela que pode ter uma pele) com brandura, num gesto que é ao mesmo tempo doce - "Pobre de mim, digo que sim, mas não sei se é possível" - e astuto - "Porque não?" -, amedrontado - "É tão difícil" - e ao mesmo tempo encantador: "Sou todo teu". A cabeça sobe e desce, como que levemente desprendida do pescoço, e os ombros, também eles, ondeiam um pouco, com um gesto de rapariga que vence o pudor, que se torna afectuosa. Vistas à distância, as massas indianas fixam-se na memória, com o seu gesto de assentimento, e o sorriso dos olhos, infantil e radioso, que o acompanha. A sua religião está nesse gesto.

Um cheiro da Índia
Pasolini em 1961, faz uma viagem à Índia na companhia de Alberio Moravia e Elsa Morante.
O Moravia tem outro livro, Uma ideia da Índia, da Editora Tinta da China.

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