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susan sontag

A tuberculose e o cancro foram utilizados para exprimir não só (como a sífilis) grosseiros fantasmas sobre a contaminação, como também sentimentos extremamente complexos sobre as ideias de força e fraqueza, e ainda sobre energia. Por mais de século e meio, a tuberculose forneceu um equivalente metafórico para a delicadeza, a sensibilidade, a tristeza, o fatalismo; enquanto tudo o que surgia como brutal, implacável, predatório, podia ser representado pelo cancro.

A doença é o lado sombrio da vida, uma cidadania bem pesada. Ao nascer, todos nós adquirimos uma dupla cidadania: a do reino da saúde e a do reino da doença. E muito embora todos preferissem usar o bom passaporte, mais tarde ou mais cedo cada um de nós se vê obrigado, ainda que momentaneamente, a identificar-se como cidadão da outra zona.
O meu propósito não é tanto descrever o que significa realmente emigrar para o reino da doença e aí viver, mas antes as fantasias punitivas ou sentimentais que se constroem acerca dessa situação: não uma geografia real, mas antes estereótipos de carácter nacional. O meu tema não é a doença física em si, mas o uso que se faz da doença como figura ou metáfora. A minha tese é que a doença não é uma metáfora, e o modo mais honesto de olhar a doença - e o modo mais são de estar doente - é o olhar mais depurado, mais resistente ao pensamento metafórico. Mas é praticamente impossível fixarmos residência no reino da doença incontaminados pelas sinistras metáforas que lhe desenharam a paisagem. Elucidar tais metáforas, sacudir o seu jugo, constitui o objectivo deste estudo.

A doença como metáfora / A Sida e as suas metáforas 

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